Da união estável e da união homoafetiva

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união estável e homoafetiva
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“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Artigo 226 da Constituição Federal de 1998.

A começar pelo Código Civil de 1916, a única forma existente de constituição de família era através do casamento, ou seja, referido diploma excluía todo e qualquer modelo de união informal entre homem e mulher. Em virtude da falta de previsão legal, vários reclamos foram levados ao judiciário que passou a atribuir direitos aos companheiros.

O reconhecimento da união estável nasceu através da jurisprudência de nossos tribunais, entretanto, o divisor de águas se deu através da Constituição Federal/1988, ao reconhecer a união estável como entidade familiar em seu artigo 226, §3º o que foi reiterado pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 1.723, ambos dispositivos afirmam acerca do reconhecimento da união estável constituída entre homem e mulher.

Um adendo acerca da polêmica matéria, a união estável surgiu das relações de concubinato puro, que por sua vez, era formado entre pessoas solteiras desimpedidas e que, portanto, não eram casadas. Ocorrendo no caso com o passar do tempo, uma transmutação do concubinato puro para a união estável. Já o concubinato impuro, este deriva de relação adulterina ou incestuosa e está recepcionado pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.727, dentro do mesmo Título III que trata da união estável.

Assim, após o reconhecimento da união estável como entidade familiar pela Constituição Federal/88, foram criadas duas normas infraconstitucionais, as Leis 8.971/94 e 9.278/96. A Lei 8.971/94 veio acrescentar e acerca dos alimentos, sucessões e impôs a convivência de no mínimo 05 (cinco) anos para o reconhecimento da união estável. Em seguida, com o advento da Lei 9.278/96 houve o reconhecimento da vara de família para tratar dos reclamos relacionados à união estável, pois, até então antes de reconhecida como entidade familiar, os litígios tramitavam nas varas comuns e na seara do direito das obrigações e, além disso, previu também a garantia ao direito de habitação dos companheiros.

A união estável é tratada no CC de 2002 em cinco artigos – 1.723 até o 1.725, enquanto o instituto do casamento é protagonizado pela lei civil. E particularmente a meu ver e em concordância com a Professora Doutora Marília Pedroso Chavier, a união estável apesar de entidade familiar é de fato, tratada de maneira inferior. E ainda como sabidamente dito pela Professora, “não pode haver hierarquia entre tais entidades – constituída pelo casamento/união estável, vez que, uma não é mais legítima que a outra como colocado no passado”. Todavia, acredito que este tratamento inferior será com o tempo redirecionado pelo legislador conforme a ocorrência dos acontecimentos fáticos na sociedade, pois o conceito pós-moderno de direito de família é algo que só tende a evoluir, logo, não há mais como retroceder no tempo.

Como entidade familiar, além do princípio da dignidade da pessoa humana, aplica-se também à união estável o princípio da solidariedade que antes era considerado tão somente como dever moral, contudo, restou concebido pela Constituição Federal/88, tendo como base o artigo 3º, I, que na afirmação do Professor Paulo Lobo, 1- A Constituição e o direito de família brasileiros são integrados pela onipresença dos dois princípios fundamentais e estruturantes: a dignidade da pessoa humana e a solidariedade”. 2- E ainda segundo o professor, “o princípio jurídico da solidariedade resulta na superação do individualismo jurídico”.

Assim, cabe aos companheiros com ênfase no princípio da solidariedade dar assistência mútua material e moral e ainda em especial em relação aos filhos até atingirem a fase adulta.

Para o reconhecimento como entidade familiar a união estável entre homem e mulher deve haver, de acordo com o disposto no artigo 1.723 do CC/2002, convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Por outro lado, a coabitação não se trata de elemento necessário para o reconhecimento da união estável. A coabitação na verdade ajuda como indício de prova, entretanto, as partes podem ajustar livremente se irão ou não viver debaixo do mesmo teto. E ainda, apesar da Lei 9.278/96 prever o direito de habitação, importante observar que nem sempre o companheiro terá tal direito, a não concessão a este direito, pode ocorrer, por exemplo, na existência de usufruto ou na copropriedade do imóvel. Importante tal observação, porque muitas vezes as pessoas confundem e
generalizam seus direitos quando em verdade é de suma importância a análise de cada caso concreto.

Quanto à natureza jurídica, a doutrina contemporânea defende tratar-se de “negócio jurídico” onde as partes devem declarar a sua vontade que culmina no poder de autorregramento, condição típica dos negócios jurídicos, onde há a escolha dos efeitos jurídicos derivados da relação pactuada.

Outro fator importante é está relacionado à impossibilidade jurídica do reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. Haja vista o princípio da monogamia que por sua vez, rege as relações familiares.

Na união estável, prevalecem os deveres mútuos de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.Tal imposição legal tem previsão no artigo 1.724 do CC/2002.

A união estável pode ser estabelecida por escrito através de escritura pública ou particular, porém, para o seu reconhecimento não há exigência legal acerca da existência de tais escrituras, obviamente por não se tratar de um dever. Importante deixar claro acerca do início da união tal questão acaba sendo exaurida com a opção da escritura pública ou particular.

Quanto à aplicabilidade do regime de bens na forma do artigo 1725 do CC a regra geral é o da comunhão parcial de bens. Nada impede às partes de estabelecerem outro regime, contudo, para isto é necessário sua formalização através do respectivo instrumento e preferencialmente público para se evitar qualquer alegação futura de nulidade seja por vício na assinatura ou coação.

Por fim, o último artigo 1.726, do Livro III que trata sobre a união estável, prevê que a união estável pode ser convertida a qualquer tempo em casamento. E foi por conta deste dispositivo que a união homoafetiva foi regularizada.

Porém, antes de adentrarmos neste assunto propriamente dito, no que diz respeito ao reconhecimento como entidade familiar a união estável entre homem e mulher houve outro marco jurídico de suma importância, que foi a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil pelo STF. Referido dispositivo, hoje revogado, tratava do direito das sucessões na união estável e equiparou o direito da companheira ou companheiro ao regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002 que trata do direito de sucessões dos descendentes, do cônjuge sobrevivente e dos ascendentes. STF em recursos extraordinários 646.721/RS e 878.694 MG, em repercussão geral, formou-se a tese: 3- “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”

Uma vitória de suma importância a equiparação dada aos companheiros que antes concorriam de forma desigual com os descendentes, ou seja, no que diz respeito à divisão das quotas e ainda concorria com os ascendentes também em cotas diferenciadas herdando a totalidade somente na inexistência de ascendentes e descendentes.

Após a decisão do STF foi levantada uma dúvida acerca da decisão prolatada. E o IBDFAM na qualidade de amicus curiae em sede de embargos, pediu esclarecimento acerca da aplicabilidade do artigo 1.845 aos companheiros, ou seja, se seriam também considerados como herdeiros necessários. O Ministro Luis Barroso, declarou que a decisão contemplava tão somente o disposto no artigo 1.829, pois o artigo 1.845 não estava em discussão.

Quanto à união homoafetiva, considerada no passado, do ponto de vista jurídico como, “4- negócio jurídico inexistente”, chegando a doutrina a denominá-la como “nada jurídico”, entendimento este justificado sob a ênfase da inexistência de casamento, cujos requisitos para a sua existência são: a celebração por autoridade competente, consentimento dos nubentes e diversidade de sexos. Até o ano de 1990 todos os pedidos de reconhecimento de uniões homoafetivas especialmente na partilha de bens foram indeferidos. Em segundo plano passou-se a ser deferido pelo judiciário a partilha de bens derivados das relações com base no direito das obrigações sendo reconhecida a existência de uma sociedade de fato inexistindo qualquer proximidade com as questões relacionadas ao direito de família -5.

Como dito anteriormente foi por conta do §3º do artigo 226 da CF que deu-se início ao movimento de equiparação à uniões entre homoafetivas e em que pese o artigo afirmar o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher a equiparação se deu com base no princípio da dignidade da pessoa humana, pois, a não concessão de tal direito fere o direito á felicidade da pessoa humana, assim foi o entendimento adotado pela doutrina e jurisprudência. Assim, a 6- 4ª Turma do STJ em agosto de 2008 os autores objetivaram o reconhecimento da união estável oriunda da relação homoafetiva com vinte anos de duração. O start se deu com a decisão do Ministro Ayres Brito do STF em 05 de maio de 2011 através da decisão da 7- ADI 4277 da PGR, ao reconhecer a ADPF 132 do Governo do Rio de Janeiro, como ação direta de inconstitucionalidade com eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Em 25 de outubro de 2011 o STJ o Ministro Salomão 8- reconheceu o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Neste caso havia a declaração da união estável lavrada por escritura pública e as partes buscaram a conversão com base no artigo 1.726 do CC/2002. A decisão obviamente era pontual e em casos análogos haveria a necessidade de cada parte interessada buscar a tutela jurisdicional. Quando então, o CNJ, através da Resolução 175 de 14 de Maio de 2013 regulamentou tal questão e hoje se encontra definido o direito de escolha dos casais homoafetivos a união estável ou o casamento junto ao respectivo cartório de registro civil.

Pontua-se, portanto, que os direitos atribuídos à união estável entre homem e mulher são aplicados nas relações homoafetivas.

Por fim, conclui-se o reconhecimento pelo mundo jurídico da união estável e da relação homoafetiva cuja concepção está na família contemporânea onde há a pluralidade de famílias com estilos próprios de vida e que só surgiram por conta dos fatos sociais, que por sua vez foram contemplados pela legislação e pelo judiciário.

É sabido que muito ainda há de acontecer e existem lacunas a serem preenchidas como, por exemplo, o reconhecimento do companheira/companheiro como herdeiro necessário, onde há forte corrente doutrinária no sentido de que o teor da decisão do STF por si só, já ensejaria a condição do companheiro ser herdeiro necessário, cabendo tão somente por hora, aguardar os próximos acontecimentos.

1- https://ibdfam.org.br/assets/upload/anais/78.pdf – PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR Paulo Lôbo Doutor em Direito Civil (USP) Professor na UFAL e na UFPE (Pós-Graduação) Membro do Conselho Nacional de Justiça.

2- Direito de Família e das Sucessões – Temas Atuais, Editora Método – 2009 – pág. 6.

3- https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4744004&numeroProcesso=878694&classeProcesso=RE&numeroTema=809

4- Débora Vanessa Caús Brandão – Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos, p. 17 e Direito de Família e das Sucessões – Temas Atuais, Editora Método – 2009 – pág. 371.

5- Débora Vanessa Caús Brandão – Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos, p. 17 e Direito de Família e das Sucessões – Temas Atuais, Editora Método – 2009 – pág. 372.

6- Recurso Especial 820.475/RJ (2006/0034525-4) – Relator: Ministro Antonio de Pádua Ribeiro.

7- https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635

8- Recurso Especial 1.183.378/RS – Ministro Luis Felipe Salomão

 

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