A Constituição Federal de 1988 no seu §5º do artigo 226 equiparou os direitos e deveres derivados da sociedade conjugal de forma a serem exercidos tanto pelo homem quanto pela mulher.
Por conseguinte, o artigo 229 também da Constituição Federal veio estabelecer a respeito das atribuições dos pais como obrigação fundamental e conjunta no sentido de garantir aos filhos menores, assistência, educação e criação, independente de a criança ter ou não a convivência do lar com um dos genitores, a responsabilidade prevista na legislação é de ambos – pai e mãe.
Com a equiparação pela Constituição Federal dos direitos e obrigações derivados da sociedade conjugal, o termo poder familiar foi incluído então no Código Civil de 2002, te então, o Código Civil de 1.916 tinha como denominação, pátrio poder, o que significava o poder paterno, onde a opinião da mãe não tinha qualquer peso. O que foi abolido com a Instituição do Poder Familiar e a igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges.
É certo que o presente artigo não tem o condão de entrar na seara dos direitos e obrigações previstas no Instituto do Poder Familiar, mas, importante deixar claro que a Guarda, tema aqui trazido, é um dos direitos que se encontra inserido no Instituto do Poder Familiar, por sua vez, previsto a partir do artigo 1.630 até o artigo 1.638 do Código Civil.
De certo ainda que as obrigações e direitos atribuídos aos genitores pela Lei Civil não estão restritos ao plano pessoal dos filhos, mas também na responsabilidade de gerir e administrar eventuais bens que se encontram ou venham a se encontrar em nome de seus filhos, visando sempre a sua preservação e manutenção, com o fim de que tais bens não sejam dilapidados.
Portanto, com base na Carta Magna e na Lei Civil, os direitos e deveres ali previstos estão contidos como direitos previstos no poder familiar.
Logo, o Poder Familiar é de ambos os genitores, pai e mãe. Sendo garantido a qualquer um dos genitores, na hipótese de divergência quanto ao exercício do poder familiar, a busca pela solução junto ao Poder Judiciário.
Sendo a guarda um dos direitos contidos no poder familiar sua previsão está contida no inciso II do artigo 1.634, que menciona o direito da criança estar na companhia e guarda de seus pais, contudo, o artigo 1.583 e seguintes tratam especificamente da guarda, como da proteção da pessoa dos filhos, sendo que com o advento da Lei 11.698/2008, o referido artigo 1.583, sofreu alteração, para o fim de instituir aos genitores a adoção da guarda unilateral ou compartilhada.
Mais tarde, a Lei 13.058/2014, eliminou as interpretações equivocadas do judiciário em relação ao texto previsto no §2º do artigo 1.584 do CC, no sentido de que o compartilhamento seria concebível somente na hipótese de acordo entre os genitores e determinou como regra a guarda compartilhada e a exceção, a guarda unilateral.
Artigo 1584 – A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – ………
II – ………
§ 1o ……..
§2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
Ou seja, o compartilhamento da guarda como regra, há de ser adotado mesmo em situações de litígio.
Ora, não seria impróprio para a criança impor a guarda compartilhada aos pais mesmo sabendo que ambos vivem em constantes conflitos ou literalmente em “pé de guerra”, mesmo após o término da relação conjugal?
Para mim, a princípio a imposição da guarda compartilhada nestes casos era simplesmente, inaceitável, pois, a meu ver, a criança passaria a ser objeto de disputa eterna entre os genitores a fim de fazer prevalecer por cada um a sua vontade. Na minha concepção a possibilidade da guarda compartilhada seria possível tão somente quando a dissolução matrimonial fosse consensual jamais em situação de litígio.
Porém, por outro lado a guarda unilateral por sua vez, não atinge o objetivo maior da lei e aqui se traz também o Estatuto da Criança e do Adolescente, (artigo 19) cujo objetivo é a proteção integral da criança e do adolescente e o direito de convivência com a sua família, vez que a guarda unilateral, acaba por limitar a convivência ativa da criança com um de seus genitores beneficiando um dos genitores em detrimento daquele genitor que não possui a guarda, bem como, o seu respectivo núcleo familiar, além de impedir a um destes genitores, o direito de participar de decisões importantes relacionadas ao desenvolvimento e criação da criança, por exemplo, educação e saúde.
Claro que em alguns casos a guarda unilateral será necessária, mas, como bem menciona a Lei, sua aplicação é a exceção. Salientando que a impossibilidade da guarda compartilhada pelos genitores estará sujeita à orientação técnica-profissional ou estudo interdisciplinar, exceto como contido na lei, se um deles não desejar a guarda do menor.
Diante da disposição legal e de alguns casos práticos vividos durante a vida profissional o compartilhamento da guarda, ainda diante das dificuldades enfrentadas pelos genitores em virtude da ruptura conjugal é a melhor forma a ser adotada é benéfica para o menor e também para os genitores, onde o ganho acaba sendo muito maior para todos os envolvidos.
Digo que a guarda compartilhada, impõe aos genitores, por mais difícil que seja, a necessidade de amadurecimento emocional, a fim de separar as questões pessoais relacionadas ao fim da ruptura conjugal em prol da criança e do adolescente e apenas como um adendo, sempre que possível é salutar orientar os genitores a buscar orientação psicológica a fim de enfrentar o luto derivado do término conjugal.
A guarda compartilhada atribui aos pais a responsabilidade, no sentido de decidir conjuntamente acerca das questões relacionadas ao filho. Pois, quando pai e mãe resolvem se alinhar emocionalmente em prol de seu filho, as discórdias tendem a diminuir e a criança/adolescente passa a ter outro olhar, no sentido de que ambos, pai e mãe são importantes para ele, livrando-o do terrível processo de “escolha” entre um e outro genitor, como assim impõe a guarda unilateral.
Importante ainda deixar claro para o filho que a ruptura conjugal não vai interferir na sua criação e na sua educação e que o amor dos genitores em relação a ele continua o mesmo. Os genitores devem ter um olhar cuidadoso em relação ao filho fazendo o exercício de se colocar no lugar dele.
A forma de compartilhamento, por outro lado, traz também à consciência dos genitores a importância de ambos na participação conjunta na vida dos filhos, a começar pela divisão de tarefas relacionadas ao dia a dia da criança a fim de se evitar excessos para um dos genitores, pois, na realidade, estes excessos acabam na maioria sendo atribuídos à mãe. Esta participação ativa dos genitores perdurará durante o processo de formação e evolução da criança até completar a maioridade.
O direito de convivência da criança/adolescente, (artigos 4º, 16º e 19º do Estatuto da Criança e do Adolescente), não está restrito tão somente aos genitores, mas ao respectivo núcleo familiar, paterno ou materno, como por exemplo, avós e tios. Afinal, é através do convívio familiar que os laços familiares vão se fortalecendo.
A guarda compartilhada objetiva não somente a convivência da criança com seus genitores e respectivos núcleos, mas também evita a prática de alienação parental.
Por fim, na guarda compartilhada é necessário se estabelecer acerca da convivência que por sua vez deve ser equilibrada. Estando definida em qual casa a criança estabelecerá sua residência fixa, se a casa do pai ou da mãe, importante declinar àquele genitor que não é o detentor da residência fixa da criança, o plano de convivência, que não pode ser confundido com guarda alternada, por exemplo: 15 dias na casa do pai e 15 dias na casa da mãe, não só por ser altamente prejudicial à criança, mas também, por falta de previsão legal. Como dito pelo professor Conrado Paulino da Rosa, não se trata o plano de convivência de divisão matemática.
O plano de convivência, (alternância em relação aos lares) em regra geral é importante que seja previsto em dias de semana, finais de semana e pernoites, além dos dias específicos, como datas comemorativas de forma equilibrada e sempre visando o melhor interesse da criança/adolescente.
Antes mesmo da edição da Lei 13.058/14, que consolidou a guarda compartilhada como regra para os filhos de pais divorciados, esse entendimento já era pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O tribunal julgou casos que acabaram por inspirar as alterações legislativas.
O conceito de guarda compartilhada no ordenamento jurídico nacional surgiu em 2008, com a Lei 11.698, e foi aperfeiçoado com a Lei 13.058. Uma das posições interpretativas adotadas pelo STJ e que posteriormente foram incorporadas na legislação é a ideia de que o convívio da criança com ambos os genitores é a regra e, na falta de acordo, mesmo havendo clima hostil entre os pais, deve ser determinada pelo juiz, salvo quando comprovada no processo a sua absoluta inviabilidade.
O entendimento do STJ busca priorizar o interesse da criança, partindo do pressuposto de que não é indispensável haver convívio amigável entre os pais separados para que se dê o compartilhamento da guarda.
De acordo com as decisões do tribunal, cabe ao juiz da causa estabelecer as regras e determinar as eventuais punições em caso de descumprimento do que houver sido acertado.
Em agosto de 2011, ao julgar o caso que se tornou paradigma no assunto, os ministros entenderam que a guarda compartilhada é essencial para assegurar à criança o direito de conviver com ambos os pais.
Esse recurso se tornou referência para as decisões posteriores do tribunal, inclusive nos casos de indeferimento da guarda compartilhada. No julgamento, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a imposição do regime compartilhado, quando a relação entre os pais é muito ruim e eles não chegam a um acordo, pode ser uma medida drástica, porém necessária para resguardar os direitos da criança.
No caso então apreciado, o pai era contrário à guarda compartilhada e buscou a guarda unilateral, pois desejava se mudar de cidade, e alegou ter melhores condições de criar a criança. Ao rejeitar o pedido, a ministra destacou que as justificativas apresentadas, em relação à dificuldade de entendimento do ex-casal, não eram óbice para a guarda compartilhada.
“Na verdade, exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor”, disse a relatora.
Naquele julgamento de 2011, o STJ estabeleceu que a guarda compartilhada prevista no parágrafo 2º do artigo 1.584 do Código Civil (com a redação então dada pela Lei 11.698/08) deveria ser uma regra, e não mais uma mera possibilidade.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, “essa linha jurisprudencial vencia a ideia reinante de que os filhos, de regra, deveriam ficar com a mãe, restringindo-se a participação dos pais a circunstâncias episódicas que, na prática, acabavam por desidratar a legítima e necessária atuação do cônjuge que não detinha a custódia física – normalmente o pai –, fazendo deste um mero coadjuvante na criação dos filhos”.
Um julgamento da Terceira Turma em 2017, relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva, reafirmou o entendimento de que a guarda compartilhada não se efetiva somente em duas situações: quando não houver interesse de um dos pais ou quando um deles não for capaz de exercer o poder familiar.
Em outro julgamento, de junho de 2014, também relatado pela ministra Nancy Andrighi, a magistrada explicou por que a guarda compartilhada deve ser vista como regra, e não apenas uma possibilidade dependente de convívio amistoso entre os pais: “A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente porque contrária ao escopo do poder familiar, que existe para a proteção da prole.”
Ainda de acordo com esse julgamento, as situações que afastam a aplicação da guarda compartilhada devem ser reconhecidas pelo juízo competente após análise objetiva.
Para impedir o compartilhamento da guarda, as brigas entre pais separados precisam ser suficientemente graves. Ao analisar o tema, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que a simples menção a um estado de beligerância entre o casal separado não pode ser utilizada pelo juiz como fundamento para deferir a guarda unilateral em favor do pai ou da mãe.
“Os motivos aptos a justificar a supressão da guarda de um dos genitores devem ser graves o suficiente para comprometer o convívio saudável com os filhos, tais como ameaça de morte, agressão física, assédio sexual, uso de drogas etc.”, resumiu o ministro, em voto apresentado na Terceira Turma em março de 2016. Antes dessa evolução jurisprudencial, era comum que a guarda compartilhada fosse indeferida devido a animosidades entre os pais. Para a ministra Nancy Andrighi, tais decisões muitas vezes acabavam por prejudicar apenas a criança.
Segundo voto apresentado pela ministra em junho de 2014, acolher tais argumentos sustentados por um dos pais seria premiar um comportamento “egoísta” de quem exige a guarda, negando à criança o direito de conviver com ambos os genitores.
Pouco tempo após esse julgamento, o Congresso Nacional deu nova redação aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, com a Lei 13.058, trazendo à guarda compartilhada um sentido legal mais harmônico com a interpretação adotada pela jurisprudência.
Outro ponto discutido pelos ministros é a questão da alternância de residências no caso da guarda compartilhada. Em julgamento de agosto de 2011, a ministra Nancy Andrighi destacou que o importante é garantir o convívio da criança com ambos os pais após a separação.
“É precisa a ideia de que a guarda compartilhada inclui não só a custódia legal, mas também a custódia física, tanto por não haver restrições no texto de lei quanto ao exercício do poder familiar na guarda compartilhada, quanto pela inviabilidade de se compartilhar apenas a custódia legal da criança”, resumiu a magistrada. Naquele recurso, os ministros rejeitaram o argumento de que a rotina dividida entre dois lares seria prejudicial à criança e configuraria guarda alternada, o que não é reconhecido pela legislação brasileira.
Nancy Andrighi declarou que a inovação legislativa da guarda compartilhada visou quebrar a monoparentalidade na criação dos filhos, que gera, segundo a ministra, a figura do “pai de domingo”.
A alternância de lares (que não se confunde com guarda alternada) é decorrência lógica deste processo, de acordo com o caso julgado em 2011. “A ausência de compartilhamento da custódia física esvazia o processo, dando à criança visão unilateral da vida, dos valores aplicáveis, das regras de conduta e todas as demais facetas do aprendizado social”, afirmou a ministra, para quem a alternância de lares é a efetiva expressão da guarda compartilhada.
Essa custódia física conjunta só se torna um problema quando os pais residem em cidades diferentes. Em processo julgado em junho de 2016, o ministro Villas Bôas Cueva analisou o caso de uma criança cujos pais moravam a 200 quilômetros de distância um do outro.
“Não é factível vislumbrar que as crianças, porventura, estudassem alternativamente em colégios distintos a cada semana. Tal impasse é insuperável na via judicial”, disse o ministro.
No conceito de guarda compartilhada, ambos os pais têm os mesmos direitos e os mesmos deveres com a criança, o que se aplica a decisões sobre escola, viagens, questões de saúde – enfim, qualquer decisão que possa afetar o filho exige, necessariamente, a participação dos dois.
As despesas devem ser divididas de forma equilibrada, de acordo com a capacidade de cada um dos pais. A pensão alimentícia ainda pode ser estipulada, caso exista diferença de renda que justifique o pagamento.
O assunto já foi destacado pela Secretaria de Jurisprudência do tribunal no Informativo de Jurisprudência, edições 595 (fevereiro de 2017), 481 (agosto de 2011) e 434 (maio de 2010).
Os números dos processos citados não são informados em razão de segredo judicial.
Por fim, concluo, exceto em casos graves, que não há dúvidas acerca da importância do compartilhamento da guarda dos filhos pelos pais, dando à criança/adolescente o direito de convivência com seus genitores – seu pai e sua mãe e respectivos núcleos familiares o que é salutar para o seu crescimento e desenvolvimento social. Por isso de suma importância que os pais deixem suas diferenças de lado e pensem nos seus filhos, hoje crianças, amanhã adultos.
REFERÊNCIAS Brasil, Código Civil. 4. ed. São Paulo: Manole, 2011. Lei nº 11.698 de 13 de junho de 2008.
Lei nº 13.058 de 22 de dezembro de 2014.
Brasil, Constituição Federal, ed. 2010. São Paulo: Manole – 2010.
Direito de Família e das Sucessões – Editora, Método – São Paulo – 2009- Coordenação: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Flávio Tartuce e José Fernando Simão.
Superior Tribunal de Justiça e,
IBDFAM – SP.